Afastamento do governador Witzel, ainda que temporário, é o outro lado da mesma situação que, dia após dia, transforma o cidadão em vítima do crime organizado
O Rio de Janeiro vem sendo abalado nos últimos anos por tantas situações desagradáveis que nem há tempo de um fato esfriar antes que outro, igualmente repulsivo, ocupe o centro das atenções. O caso mais recente é a decisão do STJ, que afastou o governador Wilson Witzel do cargo por 180 dias, em virtude das acusações de uso irregular de recursos destinados ao combate ao coronavírus. Ainda que temporária, a medida, tomada na última sexta-feira, contraria a vontade do eleitor e, por essa razão, precisa ser vista com cuidado.
Witzel precisa ter assegurado o direito de defesa mais amplo possível e, caso venha a ser inocentado, ter o mandato restituído com um pedido eloquente de desculpas. A questão, porém, vai muito além das acusações que embasaram o afastamento. Ainda que Witzel não tenha a culpa comprovada, ninguém pode considerar normal que todos os governadores eleitos no Rio desde 1998 tenham enfrentado problemas com a Justiça. Na mesma medida, ninguém tem o direito de se conformar diante da rotina de violência e considerar corriqueiras situações como a que, na noite da última quarta-feira, custou a vida da jovem Ana Cristina da Silva, morta por dois tiros de fuzil na Rua Azevedo Lima, no Rio Comprido.
É bom repetir para deixar claro o que está sendo dito: assim como ninguém deve considerar normal que as principais autoridades do estado devam tantas explicações, ninguém pode ficar indiferente diante das mortes e das cenas assustadoras como os tiroteios que aconteceram na última quarta-feira no Complexo do São Carlos. O afastamento de Witzel e a morte de Ana Cristina são, por esse ponto de vista, faces de uma mesma moeda. Ver o crime crescer, se fortalecer e espalhar cada vez mais terror entre inocentes apanhados de surpresa em meio à fuzilaria não deve ser visto como sinal da força dos bandidos. Isso tudo, na verdade, é mais uma prova da fraqueza do poder público que, durante décadas, por omissão, por incompetência ou por conivência, tem falhando na missão de combatê-lo.
CULPA PELO FRACASSO – O problema, claro, não se restringe ao Executivo estadual. O Legislativo e o Judiciário do Rio também têm sua parcela de culpa. Na mesma medida, o município e a União não podem ser excluídos dessa cadeia de responsabilidades. No entanto, o que se vê por parte das autoridades de todos os níveis e de todos os poderes são tentativas de se eximir de culpa procurando responsabilizar os outros pelos problemas. No Rio de Janeiro, como em todo Brasil, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ao invés de se colocarem do mesmo lado e caminharem na mesma direção, agem como adversários sempre interessados em debitar na conta do outro a culpa pelo próprio fracasso. Não é isso que o cidadão deseja.
As autoridades federais afirmam que a obrigação de zelar pela Segurança Pública, por lei, é do governo estadual. O governo estadual, por sua vez, se defende dizendo que o Rio não produz drogas nem armas. Essas mercadorias letais só chegam à capital por falhas no controle das fronteiras e das estradas, a cargo de autoridades federais. A prefeitura, por seu turno, diz que suas mãos estão atadas: a própria guarda municipal, no caso do Rio de Janeiro, não pode sequer portar armas de fogo – e, sem armamento pesado não se combatem bandidos preparados para a guerra.
POPULAÇÃO INDEFESA – Para acrescentar mais um capítulo a uma lista já extensa de desculpas, o plenário do STF confirmou, dias atrás, uma liminar expedida em junho pelo ministro Edson Fachin, a pedido do PSB. A decisão proíbe o uso de helicópteros em operações policiais no Rio e determina que as ações nas comunidades só podem ser realizadas em “casos excepcionais”. O documento não define, no entanto, que condições “excepcionais” são essas e isso tem deixado a polícia em dúvida quanto aos limite de sua ação. Enquanto isso, a população fica indefesa e exposta aos tiroteios.
Existe solução? Claro que sim! O combate ao crime organizado, no Rio como em qualquer outro lugar do mundo, só é eficaz com o uso intensivo da inteligência. É preciso penetrar no coração das organizações criminosas e entender como elas funcionam para então, debelá-las. Isso aconteceu, por exemplo, em Nova York a partir do final dos anos 1980. Com um detalhe: todos ali sabiam que a batalha só seria vencida se as vaidades e os interesses eleitorais imediatos fossem abandonados e todos marchassem na mesma direção.
Será necessário que o próximo prefeito se sente com o governador e com o presidente da República numa mesa onde estarão, também, representantes do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. Todos precisam definir uma linha comum e fazer sua parte no combate a um inimigo que ameaça todos os poderes, todos os partidos e todos os credos religiosos. Sem resolver um problema que a ameaça de forma tão visível, a população terá todo o direito de desconfiar de suas autoridades. Infelizmente.
.
Site: O DIA – ON LINE – RJ; Estado: RJ; Editoria: Últimas notícias
Tipo: Coluna; Veiculação: 30/08/2020; Assunto: Colunas, destaques