O juiz do século XXI

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Nessa semana nosso escritório de advocacia traz um artigo escrito por um Desembargador Federal sobre como deve ser o atual comportamento dos juízes. Vamos à leitura:

Inequivocamente, a pandemia da Covid-19 impôs uma nova dinâmica para juízes, advogados e seus processos. As circunstâncias, apesar de difíceis, permitem ampliar o acesso à Justiça e ao direito de defesa e contraditório.

Em tempos em que os processos judiciais em papel foram substituídos por autos eletrônicos, e as audiências e sessões de julgamento presenciais dentro dos fóruns e tribunais passaram a ser realizadas por videoconferência, os advogados devem lidar com um novo instrumento para exercer o seu múnus e defender os seus clientes.

Hoje, em vez de ir aos gabinetes dos juízes, desembargadores e ministros para despachar pessoalmente seus processos, os advogados agendam por e-mail data e hora para o encontro por videoconferência, a fim de expor as razões do seu pleito. Por sua vez, as sessões de julgamento por videoconferência vêm permitindo que advogados do Brasil inteiro, que antes não dispunham de recursos para o deslocamento, possam se fazer presentes numas daquelas “janelinhas” da tela do computador e realizar sua tão importante sustentação oral. Percebo, aliás, que o número de defesas orais duplicou nas sessões de julgamento de que participo, sendo mais da metade originárias de causídicos de outras regiões.

Vejo o princípio da ampla defesa e contraditório ganhando hoje maior efetividade, dentro do due process of law (o direito ao adequado julgamento), que tem sua matriz histórica na Magna Carta Libertatum de 1215.

Mas, apesar dos avanços que a tecnologia impõe à dinâmica processual moderna, a essência e o comportamento do juiz não devem mudar. Deve continuar a julgar com imparcialidade e de acordo com as provas dos autos, na busca da justiça e da legalidade, sem sucumbir aos apelos das manifestações populares ou dos holofotes da imprensa e das mídias sociais.

O comportamento de um único magistrado personifica a imagem de todo o Poder Judiciário e pode atingir a reputação de toda a instituição.

Por isso, o juiz, assim como um ministro religioso, ao ingressar na magistratura, abre mão de certa liberdade da sua vida privada em prol de seu ofício, adotando uma postura mais cautelosa do que a comumente exigida.

Não à toa, além das vedações constitucionais, o Código de Ética da Magistratura determina ao juiz uma conduta pautada por prudência, dignidade, honra e decoro.

Lembro as lições do jurista italiano Piero Calamandrei, ressaltando que a missão do juiz é tão elevada, e a confiança nele é tão necessária, que as fraquezas humanas, que não se notam ou se perdoam em qualquer outra ordem de funcionários públicos, parecem inconcebíveis num magistrado, sendo preciso que cada um deles seja um exemplo de virtude.

Envergar a negra toga não é apenas sinônimo de status ou de preeminente condição. O magistrado, ao cingir-se com a veste talar, deve sempre recordar a ingente responsabilidade de que está imbuído ao julgar os demais membros da sociedade.

O juiz do século XXI, ao mesmo tempo que se adapta aos novos meios tecnológicos para dar efetividade ao processo, não pode se esquecer dos deveres no cumprimento de sua eminente função. O peso da toga nos ombros da pessoa chamada a ser juiz da conduta de seus semelhantes deve ser igual ao peso da sua consciência.

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Impresso: O GLOBO – RIO DE JANEIRO / RJ; Assunto: COLUNAS

Editoria: OPINIÃO; Tipo: Artigo; Veiculação: 27/09/2020; Página: 03

Autor(a): Marcus Abraham – Desembargador federal no TRF-2 e professor de Direito Financeiro da Uerj

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