O que esperar das candidaturas femininas?

Data

Hoje o nosso escritório de advocacia traz artigo do jornal A Folha de São Paulo sobre as dificuldades enfrentadas pelas candidatas femininas aos postos de uma carreira política. Vamos à leitura:

Tendo conquistado o direito de votar apenas em 1932, as mulheres brasileiras ficaram relegadas por séculos à vida doméstica, enquanto os homens já dominavam as esferas públicas de poder no espectro político nacional.

Desde a redemocratização, com a Constituição de 1988, até a aprovação pela primeira vez da legislação de cotas de candidaturas (1995), os percentuais de mulheres eleitas no Parlamento brasileiro oscilavam em torno de 5%. Passou para menos de 10% com a legislação que implementou de forma efetiva a reserva de candidaturas (2009) e para 15% com as decisões dos tribunais superiores que obrigaram os partidos políticos a distribuírem, na mesma proporção de candidaturas femininas, tempo de exposição na propaganda em rádio e TV, bem como recursos públicos para o financiamento de suas campanhas (2018). Um percentual ainda muito baixo, se considerarmos que a média atual das Américas é de 30% de mulheres no Parlamento.

Diante desse cenário, o Brasil ostenta atualmente a 141ª posição no ranking da União Interparlamentar, organização internacional que mede a participação feminina no Parlamento em 193 países -em que pese as mulheres representarem 52,5% do eleitorado apto a votar e 42% das filiações partidárias.

E mais: o Brasil é um país em que um quarto das cidades não possui uma única mulher na Câmara Municipal; onde de 35 partidos concorrendo nas últimas eleições municipais, 33 tiveram candidatas sem um único voto; onde existe um estado em que nenhuma mulher foi eleita para a Assembleia Legislativa nas últimas eleições (Mato Grosso do Sul); e onde as mulheres ainda são chamadas em sua maioria apenas para cumprir cota nas chapas partidárias. Isso quando não são apresentadas candidaturas laranja, apenas pró-forma, para burlar a lei de cotas.

A despeito dos reconhecidos esforços do Poder Judiciário, que vem proferindo importantes decisões para tentar garantir a participação feminina na política, as iniciativas afirmativas de gênero atuais ainda não foram capazes de incluir de fato as mulheres nos espaços públicos de poder, uma vez que a maioria do ambiente político brasileiro é hostil à ideia e reflete o que ocorre no próprio interior dos partidos: pouca representatividade nas mesas de tomada de decisão, ocorrências reiteradas de violência política de gênero e prática contumaz de candidaturas laranja.

Visando combater essa realidade, foi criado neste ano o Observatório de Candidaturas Femininas da OAB-SP, justamente com o intuito de acompanhar as eleições municipais de maneira suprapartidária e institucional, para a fiel aplicação da lei quanto às cotas afirmativas para as mulheres, com a devida distribuição de recursos financeiros e de exposição na propaganda eleitoral no rádio e na TV. Além disso, serão recebidas denúncias de candidaturas laranja e outras irregularidades, para encaminhamento às autoridades, e serão coletados dados que poderão embasar pesquisas e justificar medidas legislativas futuras com a ampliação das cotas femininas.

Nossa experiência histórica demonstrou que a mera igualdade perante a lei não foi suficiente para reduzir de fato a desigualdade de gênero no âmbito político estruturalmente machista, e talvez seja dado o momento de se estudar seriamente a possibilidade de reservas de cadeiras para mulheres no Parlamento -inclusive com o recorte de inserção racial, como medida justa de distribuição democrática de poder, já que 27% do eleitorado brasileiro também é formado por mulheres negras.

Nas eleições municipais de 2020, com o cenário da pandemia e da quarentena necessária, sabe-se que as mulheres foram especialmente afetadas por uma jornada tripla de trabalho, mas a garantia legal mínima de recursos financeiros para suas campanhas, conquistada desde 2018, e o apoio de observadores institucionais como a OAB-SP, talvez minimizem um pouco tais impactos.

[…] A mera igualdade perante a lei não foi suficiente para reduzir de fato a desigualdade de gênero no âmbito político estruturalmente machista, e talvez seja dado o momento de se estudar seriamente a possibilidade de reservas de cadeiras para mulheres no Parlamento

.

Impresso: FOLHA DE S. PAULO / Município – Estado: SÃO PAULO – SP

Editoria: OPINIÃO / Autor(a): Gabriela Shizue Soares de Araujo Advogada e Maíra Recchia Advogada.

Tipo: Artigo / Veiculação: 07-08-2020 / Página: A03 / Assunto: COLUNAS

Mais
notícias