Hoje o nosso Escritório de Advocacia traz uma matéria veiculada no Jornal A Folha de São Paulo enfatizando com funciona as investigações de processos disciplinares de juizes e membros do Ministério Público.
Criados em 2005 para fiscalizar o trabalho de juizes e promotores, os conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público ficaram mais marcados nesse tempo pelo arquivamento de casos conhecidos do que por impor penas severas aos profissionais.
O CNJ, por exemplo, já autuou ao menos 13.638 processos disciplinares, mas só em 104 casos, o equivalente a 0,78%, houve punição a magistrado.
Apesar dos números, os conselhos sempre serviram como um escudo perante a opinião pública.
Os órgãos são rápidos para anunciar a apuração de desvios éticos, como o caso do desembargador Eduardo Siqueira, que responderá a procedimento por humilhar um guarda municipal após ser abordado por estar na rua sem máscara, em Santos (SP).
Em muitos casos, porém, as apurações não têm resultado prático. O juiz João Carlos Corrêa, por exemplo, passou por situação parecida por ter dado voz de prisão a uma agente de trânsito numa blitz e o processo foi arquivado no CNJ.
O episódio aconteceu em 2011 e, em 2013, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirmou que ele não cometeu nenhuma irregularidade e encerrou o processo.
Em 2016, o caso ganhou atenção de novo após a agente ser condenada a pagar R$ 5.000 de indenização ao magistrado por danos morais, e o CNJ resolveu revisar o caso.
Na ocasião, a ação tinha sido movida por ela, mas a 36ª Vara Cível do Rio entendeu que o prejudicado foi o juiz, uma vez que a profissional teria o ironizado ao dizer que ele era “juiz, e não Deus”.
O procedimento, porém, foi arquivado definitivamente porque o conselho entendeu que o TJ-RJ já havia apurado o caso “com profundidade”.
Em relação à Lava Jato, a provocação para apuração da conduta de procuradores e juízes já partiu até do STF (Supremo Tribunal Federal), mas nenhum caso foi para frente.
O ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol já responderam, cada um, a mais de 30 procedimentos, mas todos foram arquivados ou têm tramitação lenta.
Uma representação em que o PT acusa Moro de ter tomada pública uma conversa por telefone entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff sem decisão judicial figurou na pauta do CNJ mais de 15 vezes, mas nunca foi chamado para julgamento.
Em junho do ano passado, o corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, arquivou o caso monocraticamente e classificou o caso como “mero inconformismo” da parte, que teria apresentado apenas “alegações genéricas”.
Deltan,por sua vez, já viu ser adiada por mais de 40 vezes a data de julgamento da representação a que responde por suposta infração na apresentação da denúncia contra Lula em um PowerPoint.
O coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, porém, já sofreu a pena de advertência, a mais leve do CNMP A sanção foi imposta porque ele disse que ministros do STF formavam uma “panelinha” que passava uma “mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”. Deltan, porém, ainda recorre, e o caso não teve desfecho definitivo.
As penas impostas pelos conselhos variam. O que o CNMP pode fazer é indicar a demissão do servidor, e então cabe à Procuradoria-Geral do MP no estado ingressar com uma ação para perda de cargo do servidor, que fica afastado de imediato.
No CNJ, não há possibilidade de desligamento, e a punição máxima é a aposentadoria compulsória.
Dos 104 magistrados punidos pelo CNJ, 66 deles sofreram essa penalidade. Apenas 2 deles foram julgados na gestão do atual presidente do conselho, ministro Dias Toffoli.
Mas, apesar da sanção, os 104 juízes ainda representam despesa para os cofres públicos, uma vez que a punição é de aposentadoria com vencimentos proporcionais. O CNJ sempre é comandado pelo presidente do STF, assim como o CNMP é presidido pelo procurador-geral da República.
Para o ex-corregedor nacional de Justiça Gilson Dipp, é necessário modernizar a Lei Orgânica da Magistratura, que estabelece as penas a serem impostas aos magistrados. “Também poderia explicitar quando seriam impostas as punições, deixar mais clara e menos subjetiva a situação em que pode ser enquadrada cada conduta.”
Ex-conselheiro do CNMP e promotor de Justiça, Derme-val Farias afirma que os dados têm de ser interpretados com cuidado porque em muitos procedimentos arquivados houve punição imposta pela corregedoria local. “Acho que a grande maioria das decisões do CNMP têm respaldo nas provas dos autos, mas há um temor de que, a médio e longo prazo, o caráter político de decisões disciplinares se sobreponha à atuação jurídica.”
O professor e doutor em direito pela USP Rafael Mafei destaca que muitos procedimentos no CNJ visam a reversão judicial e não necessariamente envolvem faltas disciplinares. Mafei também diz que outra função importante do conselho é assegurar aos magistrados atuação independente.
“A possibilidade de revisão das punições é fundamental porque muitas vezes são impostas sanções indevidas nos estados por conjuntura local. Pode ocorrer de um Judiciário conservador não aceitar juiz que é mais progressista ou, por exemplo, situações em que o Ministério Público vai para cima de um juiz garantista e a cúpula do Judiciário prefere se alinhar ao grosso do MP que a um juiz isolado.”
O corregedor-nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis Lima, afirma que o trabalho do conselho é “plenamente satisfatório”.
“É preciso ver que o CNMP se dedica apenas a casos que tomaram maior relevância e que, então, justifique que seja julgado no CNMP, porque existem outras 30 corregedorias que estão atuando firmemente e de maneira bastante satisfatória também na apuração da imensa maioria das infrações disciplinares”, diz.
A demora em alguns julgamentos, segundo ele, ocorre pela complexidade dos casos.
O CNJ justificou que muitas reclamações disciplinares que chegam ao órgão tratam, na verdade, de “inconformismo com decisões judiciais e escapam da competência do conselho”. Também afirma que sempre esteve atento à atuação dos cerca de 18 mil juízes do país e que sua atribuição vai muito além da questão disciplinar.
“Vale destacar que receber reclamações, petições eletrônicas e representações contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares -serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializado, assim como julgar processos disciplinares-, são duas entre as muitas tarefas exercidas pelo conselho.”
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Impresso: FOLHA DE S. PAULO – SP / Município: SÃO PAULO / SP
Editoria: PODER / Autor(a): Matheus Teixeira / Tipo: Matéria
Veiculação: 26/07/2020 – Página: A04 – Assunto: INSTITUCIONAL